segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Abílio Magro
O Sargento da Guarda


Como é sabido, um militar quando se apresenta numa nova Unidade é de imediato integrado na escala de serviço da mesma pois, embora colocado na CSJD, pertencia à CCS/QG/CTIG e fazia diversos serviços dependentes desta, tais como: Sargento da Guarda, de Piquete, rondas nocturnas ao Cupilom (vulgo pilão), segurança nocturna à PIDE/DGS, etc., etc., tudo serviços adequados a um bravo e experimentado Amanuense.
Assim, sou escalado para Sargento da Guarda ao QG do CTIG logo no segundo dia após a minha “hospedagem no Biafra” e logo após uma noite mal dormida à custa das ”bazucadas”.

No QG da RML já tinha feito alguns “Sargentos de dia”, mas Sargento da Guarda ao QG nunca, de maneira que, atempadamente, verifiquei o estado do camuflado, botas, etc. e deixei tudo prontinho, com o camuflado pendurado aos pés da cama para que na manhã seguinte pudesse partir para a “guerra” sem grandes sobressaltos e fazer uma Guarda de Honra condigna ao homem (Brig. Alberto da Silva Banazol). Na manhã do dia seguinte levantei-me a tempo de tratar da minha higiene pessoal, barbinha feita, uma última olhadela às “botifarras” e, toca a ataviar como deve ser que o acto é solene!
Vesti as calças e nada de anormal, calço as botas e idem aspas mas, quando visto o blusão, começa a sair deste um batalhão de baratas que lá tinha pernoitado, batendo em retirada em todas as direcções! Tiro o blusão rápidadamente, atiro-o para o chão enojado e…, que faço agora?! Outro banho, não dá tempo, o outro camuflado deve estar na “Lavandaria"..., bom ..., pego no blusão, sacudo-o violentamente várias vezes e lá vou eu receber o homem.
E se me sai uma baratona daquelas pela braguilha quando o homem se perfilar em frente à guarda?! Vai ser giro vai!

Lá se efectuou o render da Guarda com a pompa e circunstância que é costume e sem nenhum percalço a salientar e, quando entro na casa da Guarda, tenho lá uma nota do 2º Comandante – Cor. Tir. Galvão de Figueiredo - a informar que, nas férias do Comandante ele, 2º Comandante, dispensava os “salamaleques”.
O homem está de férias! Desta já me safei!
A segunda vez que estive de Sargento da Guarda, o homem ainda estava de férias e a “coisa” também correu de feição.
À terceira (que é de vez), o homem já regressara e então a “coisa” correu mesmo à moda de “um desgraçado de um Amanuense 'piriquito', magricelas e que nunca na vida tinha feito os "salamaleques" a que, um oficial-general, tem direito quando chega à sua "tabanca”.

Resumindo: após o render da Guarda e hastear da bandeira, fiquei ali pelo portão aguardando que o homem chegasse para que nada corresse mal.
Passaram as 9h00, as 9h30, as 10h00!
Eu de camuflado, botifarras, 40º à sombra, humidade à volta dos 90% (um homem não é de ferro, carago!), decido entrar na casa da guarda e colocar-me debaixo da ventoinha.
Mas os pés também estavam a cozer!
Desaperto os atacadores e alguns botões do blusão, sento-me na cama e deixo-me cair para trás. Já estão a ver o filme, né?
Foi tiro e queda!

Estava eu muito entretidinho a sonhar com... (Já não me recordo, esqueçam), quando sou abruptamente acordado por uns abanões e uma voz aflita que bradava:
“- esfuriel, esfuriel, comandanti!”
Saio disparado sem sequer me lembrar dos atacadores nem dos botões do camuflado.
O PM (Polícia Militar) que estava ao portão avisa-me que o Mercedes do homem estava parado lá ao fundo, à sombra de um mangueiro, havia já algum tempo.

Ao lado do portão de entrada ficava a guarita da sentinela. Em frente à guarita havia um pequeno jardim em forma de semi-círculo.
Eu e o Cabo da Guarda (também europeu) atravessamos apressadamente o pequeno jardim e fomos formar à esquerda da sentinela e, aí chegados, vejo o resto do pessoal (todos africanos), em fila indiana e em passo de corrida cadenciado, contornar o jardim.
Meio aparvalhado, pergunto-me:
“- Onde é que estes gajos vão, carago!”.
Terminado o circuito, os “contornadores” formam à nossa esquerda.
Pensei:
“- Bom..., já fiz merda!”

Lá se fizeram os “salamaleques” da ordem e, terminada a “sessão solene” lá regressamos a quartéis onde o Oficial de dia – um Cap. Milº - me pergunta:
- "Então Furriel, o que aconteceu?"
- "Adormeci e dei barraca".
E ele:
- "Também eu "passei pelas brasas" e o homem deitou-me a mão ao bolso da camisa que estava desabotoado e perguntou: - O que é isto?!"
E continuou:
- "Olhe, ele disse para você lá ir ao gabinete".

Nessa altura, juro que me apetecia responder: - “Que venha ele cá abaixo porque eu estou de Sargento da Guarda e não posso abandonar o posto!”
Claro que não o fiz porque iria criar mau ambiente na Unidade já que, muito provavelmente o homem iria responder: - “Não, que venha cá ele que ainda agora acabei de subir e ele tem estado todo o dia ali alapado!”.
E o empurra para cá, empurra para lá, iria durar uma eternidade e, como não gosto de entrar nessas birras, acabei por ir. Contrariado, mas fui.

- "Há quanto tempo está na CCS?"
- "Há cerca de dois meses meu Com...(fui logo interrompido!)"
- "Pois, vocês chegam aqui, pensam que isto é a bandalheira do mato, não perguntam nada, se perguntassem sabiam que eu às 5ªs feiras tenho reunião e que chego sempre mais tarde, rebéu béu, pardais ao ninho, etc. e tal,…blá blá blá blá !
Eu só abanava a cabeça em sinal de concordância tipo: “ya meu, ya meu, ya meu”.
- "Vá-se lá embora. Depois digam que os Comandantes são maus!"


Passados uns dias, quando volto a entrar de Sargento da Guarda, ao fim da tarde vem o Oficial de dia ter comigo e diz-me:

- "Querem a sua presença no gabinete do 2º Comandante".

- “Porra, que foi que eu fiz agora?!” 'Berrei' eu com os meus botões e confesso que, nessa altura, pensei seriamente em pedir a demissão.

Quando entrei, estavam lá o Cor. Galvão de Figueiredo, o Major Leal de Almeida(*) (ex-Coordenador do Batalhão de Comandos Africanos e que, inicialmente, se tinha recusado a participar na operação Mar Verde, acabando por ir a Conakry), um Alf. Milº de Op. Esp. em fim de comissão e que aguardava transporte para regressar à Metrópole, um outro Fur. Milº de Transportes e um Cabo Escriturário.

Após uma pequena prelecção, o Cor. Galvão de Figueiredo informa-nos que na manhã seguinte teríamos de embarcar para o Sul. O Major e o Alf. Milº iriam de helicóptero e os outros embarcariam num pequeno cargueiro (vulgo barco turra).

No Sul havia “festa da brava” em Gadamael e eu dei comigo a magicar no que um desgraçado de um Amanuense ainda “pira” iria fazer para a “festa” na companhia de um Major Comando, um Alferes OE e um Cabo escriturário?!

Associei a “gentileza” à minha prestação na primeira Guarda de Honra que fiz ao homem.



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(*) – Quando regressei a Bissau, finda a minha “odisseia” em Cacine, e informei o meu irmão Álvaro [colocado no Hospital Militar de Bissau] que tinha lá estado com o Major Leal de Almeida, ele logo me disse:

“- Eh pá o Major Leal de Almeida é um grande amigo do nosso irmão Fernando e a sua mulher, Maria da Graça, foi colega da Lena [mulher daquele nosso irmão] no colégio de Moncorvo. O Major Leal de Almeida até costumava dizer que o nosso irmão tinha sido o pai dele na Guiné porque lhe deu muito apoio quando cá chegou, arranjando-lhe habitação e conseguindo também colocar a sua mulher [dele, Leal de Almeida] numa escola primária de Bissau como professora, bem como a ele, Leal de Almeida, como professor de educação física na Escola Industrial e Comercial de Bissau.”

Não creio que o conhecimento destes factos antes da minha ida para Cacine me tenha feito muita falta, já que O Major Leal de Almeida não me “chateou” muito, ou antes; não me “chateou” absolutamente nada!

Poucos dias antes de regressar a Bissau fiquei “tesinho que nem um carapau” à conta da “lerpa” jogada em Cacine. Nessa altura sim, o Major poderia ter-me dado algum apoio monetário…, digo eu que sou crente…!

Recentemente o meu irmão Fernando enviou-me uma carta onde fala do Major Leal de Almeida (já falecido) e da amizade que existiu entre ambos e respectivas esposas.

Em nome dessa amizade e por que convivi na Guiné, embora por pouco tempo, com este Major de quem guardo a imagem de um homem bom, resolvi, em sua memória, dedicar o capítulo seguinte ao Major Francisco Leal de Almeida.





1 comentário:

  1. Camarada eu conheci o nosso major Leal de Almeida no CIC Luanda em 1967 era sim boa pessoa,na altura era Capitão comamdo e eu a tirar o curso de comandos um grande abraço camarada.Mama Sume

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