quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Rogério Magro
Batatas cozidas, ou puré, com bacalhau?!


As atribulações do responsável improvisado pelo rancho, continuaram.
Imediatamente após o episódio dos frangos com o irmão António da missão católica, o nosso Furriel vaguemestre em exercício muito precário (a arrecadação dos géneros era uma GMC com capota) que tinha de ter guarda, caso contrário lá iam os chouriços e tudo o resto.
Face ao fracasso da "operação frangos", comecei a magicar a maneira de arranjar uma refeição melhorada e, após muito matutar, resolvi ir à procura pelas sanzalas (correndo alguns riscos) tentando comprar pelo menos dois cabritos.
Ao fim de muito esforço, de alguns Kms e de algum perigo, lá consegui arranjar dois cabritos e ordenei ao cozinheiro que no dia seguinte fizesse uma caldeirada de cabrito.
Foi um esforço notável, mas o contentamento do pessoal e os elogios do Capitão compensaram o esforço.
Numa ida à cidade de Henrique Carvalho (Saurimo) consegui no quartel do Batalhão arranjar algum bacalhau, o que me deu a possibilidade de ir melhorando a ementa.
Foi o bacalhau posto de molho (com sentinela a guardá-lo) e dei instruções para que fosse cozinhado o famoso prato de batatas cozidas com bacalhau.
Tudo a correr "nos conformes", o tempo foi passando e constatei que o rancho estava um pouco atrasado nesse dia.
O Capitão mandou-me chamar e interpelou-me:
- "Ouça lá, hoje não se come?!" Eu respondi:
- "Está um pouco atrasado mas já vai sair."
Dirijo-me para o local da cozinha improvisada e dou com o cozinheiro, também ele improvisado, Mata de seu nome, e encontro-o numa discussão muito acesa com o seu camarada Cesário a pontos de quase chegarem a "vias de facto". Acabo com a discussão e junto do Mata berrei-lhe e disse-lhe:
- "Ó pá, acaba com essa merda, o Capitão já me chamou a atenção! O rancho já está com um atraso de meia hora!" (o pessoal já fazia fila no local habitual onde eram servidas as refeições quentes).
"As batatas já estão cozidas", respondeu o Mata, "vou coar a água já".
O Mata estava muito nervoso e ao coar a água do panelão das batatas, grande parte delas foram parar ao chão juntamente com a água.
"Bonito serviço, só me faltava esta, as batatas no chão cheias de terra! E agora meu cara de car#@§€!, meu grande sacana como vamos sair desta?!" gritava eu.
O Mata diz-me:
- "Eu vou já cozer mais batatas!"
"Tu vais o quê?! Traz-me já essa merda do panelão ali para dentro da arrecadação!"
O Mata assim fez.
"Onde tens a colher de pau?! Vai buscá-la já!"
Trouxe a colher de pau e eu ordenei-lhe: - "Pega nessa merda e esmaga-me as batatas, esmaga mais..., mais..., mais!"
"Já chega" - disse, por fim.
O Mata olhava para mim sem perceber nada.
"Leva agora o panelão para a cozinha, Ok?! Agora vai buscar o prato para levar a comida a provar ao Capitão" (Antes de servir o rancho é necessário que este seja autorizado pelo oficial de serviço). Ele lá levou o prato de batatas com bacalhau cozido e regado com azeite.
Tal como eu já estava à espera, o Capitão mandou-me chamar. Mal eu chego junto dele, dirige-se-me em voz alta:
- "Ouça lá, a ementa é batatas com bacalhau, ou puré com bacalhau?" Eu respondi-lhe com toda a serenidade:
- "Meu Capitão, as batatas foram fornecidas pelos serviços de Intendência do quartel em Henrique de Carvalho, não tenho culpa alguma da sua qualidade. Estou de acordo que estas batatas eram boas para a sopa ou para puré, mas não tenho culpa alguma da sua qualidade e é o que há, na cozedura esfarelaram todas".
- "Mande lá servir o rancho que já são horas" - respondeu o Capitão.
Finda a refeição constatei que ainda sobraram batatas no panelão.
Moral da estória; com serenidade e imaginação, os grandes problemas acabam sempre por se resolver ainda que muitas das vezes nos deixem à beira de um ataque de nervos, como foi o caso.
Quanto ao Mata, sempre que nos encontramos nos almoços anuais da tropa leva sempre com este episódio e atira as culpas para o seu camarada Cesário que o desorientou naquela altura, o que me ia arranjando um sarilho dos diabos, pois se havia pessoal à espera do rancho, era nesse dia.
Batatas cozidas com bacalhau, no mato, era um luxo e, mesmo sendo quase puré, também marchou, ai não que não marchou!






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